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Rodagem de "Loin"

Texto escrito em 2000, no regresso da rodagem

Tanger portoA recente longa metragem de André Techiné colocava problemas particulares de captação de som: o realizador decidira pela primeira vez filmar em Betacam Digital para posterior exibição em 35mm (as esperadas câmaras de alta definição não chegaram a tempo da rodagem); a maioria das cenas seria rodada simultaneamente com duas ou três câmaras cobrindo ângulos e focais diversas (processo utilizado em todos os filmes de Techiné desde "Os Juncos Silvestres"); seria necessário visionar diariamente o material síncrono.

A rodagem iria decorrer no sul de Espanha e sobretudo em Marrocos, o que colocava problemas logísticos de envio diário de material para a montagem em Paris.

A escolha de um suporte de gravação em 2 pistas (DAT ou Nagra 4S) colocava limitações óbvias, pois seria necessário utilizar com muita frequência microfones de emissor e era fundamental respeitar as perspectivas sonoras das diferentes câmaras. Optámos então por um formato de gravação em 4 pistas.

As alternativas possíveis eram o NAGRA D, o Stelladat II produzido pela Sonosax, e o DEVA da ZAXCOM. O NAGRA D grava 4 pistas em 24 bits em fita de 1/4". A qualidade é excelente, mas a máquina é pesada e de consumo e dimensões razoáveis, o que ia dificultar a utilização em vários locais (muitas cenas seriam filmadas dentro da cabina de um camião TIR em movimento).

O STELLADAT II grava 4 pistas a 16 bits em fita DAT, nesse caso ao dobro da velocidade linear standard nos DAT. A qualidade é muito boa para uma máquina de 16 bits, mas a concepção da máquina parecia-me pouco prática. O controlo dos dois masters é no painel frontal, mas a mistura independente das 4 vias é feita na parte superior da máquina com a tampa aberta. Ambas as máquinas exigiam uma máquina suplementar na montagem (em AVID) que permitisse ler os respectivos formatos. Nenhuma delas resolvia o problema do visionamento do material. Seria necessário enviar o som para a montagem e esperar pelo regresso do material sincronizado. Na filmagem, seria obrigatório enviar uma mistura mono por emissor para cada uma das câmaras, de forma a ter um som de referência.

A última alternativa, o DEVA, parecia ser a mais interessante. Uma máquina de pequenas dimensões (mais pequena que um FOSTEX PD-4) que grava em disco rígido até 4 pistas em 24 bits, exportando o material para DVD-RAM em formatos diversos (SDII, BWF, etc…). O software DEVA LINK permite a exportação em ficheiros OMF e a sincronização automática do material no AVID. Nesse caso, a montagem necessitaria só de um segundo leitor DVD-RAM. O sistema de gravação redundante é extremamente robusto e o disco interno intermutável é de tecnologia militar. O DEVA poderia resolver o problema do visonamento do material; a máquina tem função "chase", bastando-lhe ler o código de tempo das câmaras para sincronizar imediatamente o som em reprodução. Nos EUA há já uma experiência alargada com o DEVA. No entanto, só agora começa a haver uma migração dos formatos tradicionais para o DEVA na Europa. Mas a produção (UGC Images) mostrou-se aberta ao desafio.

Recebi o DEVA uma semana antes de começar a rodagem, e aproveitei para testá-lo em gravações de música. A qualidade dos conversores era excelente. O sistema de menus e sub-menus do DEVA exige habituação, mas torna-se rapidamente óbvio. A ZAXCOM produz uma mesa de mistura digital para cinema (CAMEO) que possui integração completa com o DEVA. No entanto optei por continuar a trabalhar com uma mesa analógica que conheço bem, a Sonosax SX-10 com matriz 4 saídas, o que permite enviar qualquer das vias da mesa para as 4 pistas do DEVA e ter retornos independentes por pista. Uma opção de segurança, pois tinha receio de mudar completamente para métodos de trabalho que conhecia mal. Utilizámos para o DEVA e para cada uma das câmaras, relógios geradores de código de tempo de precisão (da Ambient), que garantem um desvio máximo de 1 imagem em 24 horas.

Voltando ao DEVA, será interessante referir alguns aspectos que não têm equivalente no registo em fita analógica ou DAT: A possibilidade de iniciar a gravação instantaneamente (mesmo quando se está em leitura de uma take) e de acesso aleatório às takes — segmentos, segundo a designação do DEVA — é muito prática. A opção de pré-gravação — o DEVA pode gravar até10 segundos antes de se carregar no REC — é sobretudo útil na gravação de ambientes e sons inesperados. As 12 possibilidades de controlo da escuta— por exemplo, mono 1,2,3,4 ou MS1,2 + 3 - são práticas quando não é possível trabalhar com mesa de mistura por razões de espaço ou mobilidade. O misturador integrado de 4 entradas de microfone com bons pré-amplificadores e filtros programáveis cumpre correctamente a sua função.

O DEVA exige contudo atenção a alguns detalhes: O display mostra sempre os sinais presentes nas 4 entradas. Isso não quer dizer que o DEVA esteja a gravar nas 4 pistas. É necessário definir o formato de gravação — 1, 2 ou 4 pistas — no menu adequado. Após a gravação de uma ambiente estéreo em 2 pistas convém não esquecer: redefinir o formato de gravação em 4 pistas para um plano com vários emissores. Todas as entradas e saídas são programáveis para todas as pistas, com níveis controláveis. O sistema é útil, por exemplo quando se pretende enviar uma mistura mono das 4 pistas para um emissor Comtek a nível 0dB, e uma mistura independente estéreo para o combo DVD-CAM (com entradas audio RCA) a nível —9dB. É importante não esquecer verificar esses parâmetros ao mudar de configuração. O DEVA tem a possibilidade de guardar todas as programações em memórias globais acessíveis. As entradas e saídas digitais AES/EBU permitem gravar simultaneamente em DAT, ou utilizar conversores externos. Ao transferir digitalmente material gravado em DAT para o DEVA, é conveniente ligar também o código de tempo do DAT. O DEVA interpreta cada ruptura de código de tempo como início de um novo segmento, separando assim cada take em ficheiros numerados. Os 4 potenciómetros de entrada micro/linha podem ser agrupados (útil para micros estéreo) e têm uma posição "lock", uma segurança depois de acertar os níveis de entrada da mesa de mistura. No entanto, um corte na alimentação obriga a realinhamento dos níveis de entrada em "lock". O problema foi resolvido na última versão do DEVA II: a máquina memoriza toda a programação durante 24 horas sem bateria interna. Em caso de qualquer interrupção do sinal de time-code externo ou corte de alimentação, o DEVA passa automaticamente para o gerador interno. É prudente fazer o jam-sync dos dois geradores para evitar surpresas. O DEVA permite definir de várias formas os user-bits (no meu caso, utilizei os user-bits para registar o dia, mês e número de take) mas não reconhece os userbits em "chase sync". Isso significa que, se o DEVA encontrar 2 segmentos no disco com o mesmo código de tempo, não saberá qual deles sincronizar com a imagem. É fundamental evitar códigos de tempo repetidos no mesmo disco. Como o DEVA permite também a leitura em "chase sync" a partir dos DVD-RAM, é possível guardar o material em DVD-RAM antes de repetir o mesmo código de tempo.

DEVA IIO meu colega Jean-Paul Mugel está neste momento a utilizar um DEVA com a nova unidade DVD-RAM autónoma que permite gravar em fundo e em "mirror" para o DVD-RAM durante a rodagem. No nosso caso, o DVD-RAM (um modelo de consumo da Panasonic) exigia que os back-ups automáticos fossem feitos depois da rodagem. Por segurança, fiz sempre 2 back-ups de cada disco. Um era enviado para a montagem e o outro era guardado por segurança até ter o OK do montador. Nunca houve problemas, e o DVD de segurança acabava reciclado em novas gravações ao fim de alguns dias. O DEVA grava em 24 bits, pelo que a referência 0 dB se situa a — 20 dB do zero digital, de forma a tirar partido da maior dinâmica. No entanto, o AVID só aceita ficheiros de som a 16 bits, pelo que nesse caso as vantagens da gravação em 24 bits se reduzem. É conveniente nesse caso trabalhar utilizando a referência — 12dB, como nos DATs. A transferência directa para Pro-Tools (ou outros sistemas não lineares equivalentes) permite tirar partido dos ficheiros 24 bits. O DEVA grava sempre a 24 bits. No entanto, pode exportar os ficheiros em diversos formatos, por exemplo SDII 16 bits. O software de sincronização automática para AVID (DEVA LINK) não aceita ficheiros BWF 24 bits. Verificar os parâmetros de exportação dos ficheiros evita problemas à pós-produção. Em caso de pânico, há sempre uma função não documentada — ligar a máquina com o botão MORE apoiado apaga toda a programação e faz voltar o DEVA à programação de origem…

A rodagem prolongou-se por cerca de 4 meses. Na primeira semana ainda gravei paralelamente em DAT, mas o DEVA não tinha falhas e os DATs ficaram na mala durante o resto da rodagem. O DEVA funcionou sem problemas, mesmo quando submetido a esforços particulares. A mobilidade das várias câmaras levantava desafios de captação de som a cada plano e obrigava a um exercício particular de concentração, sobretudo para o operador de perche, o Nuno Leonel. (Felizmente o cabo especial da VDB que alimenta microfones de condensador 48V Ph com os emissores Audio 2020 libertou a perche da escravidão dos cabos sem sacrifício da qualidade). A gravação em 4 pistas permitiu trabalhar em M/S na perche em muitos planos sequência de multidão e ter ainda pistas disponíveis para micros adicionais. O par M/S CCM da Schoeps conjugado com as suspensões e protecções de vento M/S da Rycote Mono Ball Gag permitem obter um sistema M/S muito mais leve que um comum Sennheiser 416. Parabéns ao Sr. Chris Price pelo seu amortecedor de perche que torna a utilização de um par M/S finalmente insensível aos ruídos de manipulação. A atenção constante ao som por parte do realizador foi sem dúvida um incentivo especial para a equipa de som.

O recente hardware e software incorpora várias sugestões que discutimos por email com o Sr. Glenn Sanders, e vem eliminar todos os detalhes de operação que nos pareciam problemáticos: há agora uma indicação visual das pistas não armadas, a possibilidade de introdução de offsets em sincronização chase e em leitura a partir de DVD, a capacidade de partição dos discos duros em várias directorias que podem ser apagadas separadamente, novos conversores 24 bits e melhores pré-amplificadores de microfone e um muito útil LED vermelho no botão de gravação. A ZAXCOM está definitivamente à escuta dos profissionais.

Lista resumida dos equipamentos utilizados:
* Gravação: DEVA II
* Mistura: Sonosax SX-S 10 com matriz 4 vias e módulo comunicações filme.
* Mistura adicional: Sonosax SX PR4.
* Microfones: Schoeps CMC e CCM, Neumann, Beyer, Sennheiser, Pearl MSH 10.
* Emissores: Audio 2020 (UHF Diversity 32 freq. comutáveis)
* Microfones de lapela: Sanken COS-11, TRAM
* Emissores adicionais: VEGA
* Perches e acessórios: VDB e Ambient
* Protecções de vento: Rycote
* Escuta de controlo: COMTEK pro-listener
* Monitores de controlo: Genelec

Notas:

A Zaxcom deixou de produzir a Cameo
O DEVA original foi substituído pelo DEVAII, posteriormente pelas versões IV e V, 5.8, 16 e Fusion. O Jean-Paul Mugel mudou para o novo DEVA depois da rodagem de "Alexandre" (de Oliver Stone,onde usou dois DEVA II para 8 pistas de gravação), e tem permanecido fiel ao DEVA nas últimas rodagens. Trabalha actualmente em 10 pistas.